sábado, 8 de janeiro de 2011

Ainda a auto-estima - Espírito inovador e empreendedor


Da educação à economia, não faltam más notícias nos jornais, nem estudos que revelam o atraso de Portugal e colocam o país no fundo da tabela nas mais variadas comparações internacionais. Mas no que toca à criatividade e à inovação o cenário é bem diferente. As invenções portuguesas estão a aumentar a um ritmo de 40% ao ano desde 2004. E a evolução é tal que Portugal já é o país da Europa com maior crescimento nos pedidos de patente para proteção de inventos no espaço comunitário.
Desde a descoberta de novos fármacos à criação de equipamentos para utilização de energias renováveis, passando pela conceção de sistemas de rega inteligentes ou dispositivos que permitem medir a dor, são de todos os tipos os pedidos de patente que chegam ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Só em 2009 foram recebidos 723, a uma média recorde de dois por dia.
António Campinos, presidente do INPI, assegura que os investigadores portugueses "estão cada vez mais a dar cartas no mercado global", sobretudo em domínios como a química, farmacêutica, informática e telecomunicações ou em áreas de ponta como a biotecnologia e a nanotecnologia.
"É quase demasiado bom para ser verdade, mas o certo é que, no que diz respeito à inovação e ao desenvolvimento tecnológico, Portugal está a crescer a um ritmo muito superior à média da União Europeia. Ao nível da ciência, já temos um desempenho comparável ao dos países mais desenvolvidos da Europa e até do mundo", concorda António Cruz Serra, presidente do Instituto Superior Técnico (IST), em Lisboa, a instituição portuguesa de ensino superior que detém mais patentes.

Laboratórios em vez de sebentas

Muitas outras escolas estão determinadas em seguir o exemplo do Técnico. Em várias universidades e politécnicos nacionais, o ensino já não se faz apenas com sebentas, mas cada vez mais com tubos de ensaio. Longe dos anfiteatros, é nos laboratórios e centros de investigação que as instituições mais têm apostado nos últimos anos.
"Havia a ideia de que o mundo académico era muito teórico, feito só de papel e caneta, mas isso está a mudar a uma velocidade vertiginosa. Neste momento, há mais de 1100 alunos de doutoramento no IST, o que era absolutamente impensável há três ou quatro anos. Se nessa altura alguém tivesse a ousadia de propor essa meta como objetivo estratégico, toda a gente se iria rir", exemplifica o presidente da instituição.
Apesar de relativamente recente, a verdade é que a mudança de paradigma e a aposta crescente na investigação já estão a dar resultados: no ano passado, pela primeira vez, o número de publicações científicas produzidas em Portugal e citadas internacionalmente foi superior à média europeia, revela o responsável do INPI.
Mas a investigação não é apenas uma aposta das universidades. As empresas nacionais têm investido cada vez mais na criação de produtos e equipamentos pioneiros. Tanto que em 2009 o investimento privado em inovação superou o investimento público, "algo inédito na história do país", continua António Campinos. O facto é ainda mais surpreendente se se tiver em conta que as verbas do Orçamento do Estado afetas à ciência não só não diminuíram como têm vindo a aumentar e no ano passado chegaram mesmo a 1,4% do PIB.

Empresários mais inovadores
"Há uma mudança muito evidente de mentalidades entre os empresários, sobretudo os mais jovens. As empresas portuguesas têm vindo a internacionalizar-se e já perceberam que a única forma de conseguirem competir em mercados mais exigentes é através da inovação e da propriedade industrial", explica António Câmara, professor universitário e fundador da Ydreams, empresa especializada em tecnologias de interação, que já desenvolveu mais de 500 projetos em todo o mundo.

Nem a crise veio travar o novo ímpeto inovador de universidades e empresas. Pelo contrário. Parece até ter servido como uma alavanca da criatividade, já que o crescimento do número de patentes disparou em 2008 e 2009, exatamente quando a conjuntura económica mais se agravou.

Crise "aguça o engenho"
"Há mais investigação em períodos de depressão económica. Aconteceu o mesmo em 2002, quando atravessámos outra crise. Nestas alturas o número de empresas a contactar as universidades para projetos de investigação é sempre maior, porque os empresários percebem que essa é a melhor forma para poderem crescer e resistir à crise", diz o presidente do Técnico.
Segundo António Campinos, do INPI, a lógica é simples. Se a invenção é sempre uma resposta a um problema ou a uma carência e em períodos de crise as carências são maiores, então é também nessas alturas que há mais criatividade e motivação para inovar. De preferência criando novas soluções que permitam às empresas baixar custos de produção e vender mais. "Costuma dizer-se que a necessidade aguça o engenho. Não pode ser mais verdade. Sobretudo num país como Portugal, que já praticamente não dispõe de matérias-primas. A única com que ainda podemos contar é a que sai das nossas cabeças".

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